Como se consegue uma vacina contra o SARS-CoV-2 num ano em vez de dez anos?

Helena Soares -  2016-01-27 -3730

Helena Soares, investigadora principal do laboratório Imunobiologia Humana e Patogénese explica como se consegue uma vacina contra o SARS-CoV-2 num ano em vez de dez anos?

O processo de desenvolvimento de vacinas não apresenta a mesma dificuldade para todos os vírus. Há casos, como o do sarampo e da rubéola, em que o processo é mais linear.
Recorre-se a vírus no estado inativado ou atenuado, ou a fragmentos (proteínas) dos vírus. Outros casos, apresentam mais desafios e é mais difícil desenvolver uma vacina eficaz. Isto acontece para os vírus que (i) sofrem muitas mutações, tais como o HIV-1 e o vírus da gripe, que (ii) se escondem e ficam adormecidos até serem reativados, como o HIV-1 e herpes, e/ou (iii) com fraca capacidade de desencadear uma resposta do hospedeiro, a chamada imunogenicidade, como o HIV-1, ou seja, que conseguem escapar à deteção pelo sistema imunitário evitando assim a sua eliminação. É em grande parte, por reunir estas três características, que o desenvolvimento de uma vacina para o HIV-1 se tem revelado tão desafiante, apesar dos esforços de muitos cientistas durante anos.

Pelo que se sabe até agora, o vírus SARS-CoV-2 responsável pela pandemia COVID-19 tem uma taxa de mutação modesta e bastante imunogenicidade, o que o torna num bom candidato ao desenvolvimento de uma vacina. O facto de se terem desenvolvido várias vacinas, num curto intervalo de tempo, deve-se não só a estas características do SARS-CoV-2, mas também ao facto de se terem transferido tecnologias que foram sendo aprimoradas nas últimas décadas no desenvolvimento de vacinas para o HIV-1 e a malária. Para além disso, o desenvolvimento de vacinas para o SARS-CoV-2 beneficiou também de todo o trabalho de investigação que foi feito em 2003/2004 aquando do surto pelo vírus SARS. Nessa altura, os cientistas identificaram o melhor antigénio, a proteína “spike”, para induzir a produção de anticorpos protetores. Graças ao esforço global da comunidade científica, o “spike” do SARS-CoV-2 foi sequenciado em tempo recorde, permitindo o desenvolvimento célere dos candidatos a vacinas para a COVID-19. Por último, houve uma simplificação da burocracia do processo de avaliação das vacinas, sem, no entanto, comprometer o seu rigor, e a par de um enorme investimento financeiro por parte das companhias farmacêuticas.

Perspetivando, a vacina para o SARS-CoV-2 não começou a ser desenvolvida há 10 meses... O seu desenvolvimento teve início há pelo menos 15 anos quando se identificou o antigénio que deve ser usado para vacinas para a família de vírus SARS. Começaram também nessa altura, os primeiros testes com as formulações que estão neste momento a ser usadas pelos principais candidatos a vacinas. Este tem sido o trunfo dos cientistas e o maior aliado do seu esforço no combate global à pandemia COVID-19, e explica a rapidez na obtenção da vacina para SARS-CoV-2 quando comparada com outros casos.

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